«Falta um protocolo de acesso às variedades de sementes portuguesas»

 

António Sevinate Pinto, presidente da ANSEME, diz que é urgente colocar no mercado as novas variedades de sementes obtidas pelo melhoramento nacional e encontrar uma via para que os utilizadores das mesmas financiem parte deste trabalho público de I+D. 

 

 

Qual é o valor do mercado das sementes em Portugal?

 

O valor do mercado das sementes em Portugal é de 80 milhões de euros, ou seja, 1% do mercado europeu de sementes. A estimativa baseia-se num inquérito interno aos associados da ANSEME, representando as fileiras do milho, cereais, hortícolas, forragens e oleaginosas. Há uma dinâmica importantíssima na Europa, que é o maior mercado mundial de importação e exportação de sementes.

 

 

Quais são as vantagens do uso de semente certificada?

 

Para obter uma variedade de semente certificada são necessários em média 12 anos de investigação e desenvolvimento. Cada variedade passa por diversas provas para garantir que os indivíduos obtidos correspondem ao seu “bilhete de identidade”, ou seja, que são todos iguais entre si e estáveis.

A certificação garante a autenticidade, a sanidade e a pureza específica da semente. Também assegura uma taxa de germinação mínima, 85% a 90%, conforme as espécies. 

 

«No fundo, a semente certificada é aquela que “diz exatamente o que é para agricultores que sabem o que querem”»

 

 

Como tem evoluído o uso de semente certificada em Portugal?

 

O uso de semente certificada tem evoluído na razão direta da valorização da qualidade da produção agrícola. No caso do milho (híbridos de tipo F1, que não podem ser guardados de um ano para o outro) o uso de semente certificada é de 100%. Nas variedades autogâmicas, como o arroz, o trigo e outros cereais passíveis de multiplicação, o agricultor usa semente certificada quando há uma valorização da produção por parte do consumo (agro-indústria). 

 

 

 

É o caso da cevada dística para malte, onde cerca de 80 % da semente é certificada, ou dos trigos de qualidade, com taxas superores a 50%. 

 

«Nos últimos 4 a 5 anos, em algumas espécies, foi surpreendente o aumento do uso de semente certificada»

 

Passou de 29% para 56%, no caso do trigo mole, que infelizmente sofreu uma redução significativa da área de cultivo, por baixas produtividades em áreas marginais. 

 

Na aveia, a taxa de semente certificada também aumentou, rondando os 15%, e no triticale passou de 27% para 45%, devido à procura da indústria panificadora. 

Evolução da semente

 

A indústria remunera melhor os cereais obtidos de semente certificada, originando produções de qualidade, com variedades inscritas nas Listas Recomendadas, com lotes homogéneos de quantidades minimas definidas e de qualidade.

 

 

António Sevinate Pinto afirmou no 35º aniversário da ANSEME que são urgentes políticas públicas que incentivem a produção e a utilização de semente nacional certificada.

 

A que tipo de medidas se refere? 

 

Há um trabalho extraordinário no Melhoramento de Sementes em Portugal, mas há uma dificuldade na chegada ao mercado das novas variedades, fruto desse trabalho. Há vários anos que não aparece no mercado nacional uma nova variedade vegetal portuguesa, apesar de estarem inscritos no Catálogo Nacional de Variedades exemplares bastante promissores.

 

 

«Há vários anos que não aparece no mercado nacional uma nova variedade vegetal portuguesa» apesar de estarem inscritos no Catálogo Nacional de Variedades exemplares bastante promissores.

 

 

António Sevinate Pinto

Faltam protocolos de acesso com regras bem definidas. É um problema muito grave que a ANSEME já por várias vezes abordou com as entidades responsáveis, mas sem grandes resultados até agora.

 

Este atraso é ainda mais difícil de explicar após a recente aprovação da Estratégia Nacional para a Promoção da Produção de Cereais, aprovada em Conselho de Ministros em 2018, que indica inequivocamente o desenvolvimento das Sementes de variedades do nosso Melhoramento, produzidas e certificadas localmente, como factor chave de sucesso na sua implementação.

 

São necessárias políticas públicas que defendam o uso de semente certificada nacional de variedades obtidas em Portugal, cuja qualidade seja reconhecida pela indústria.  É necessário e urgente tornar efectivas esse tipo de medidas.

 

O que o sector paga em royalties aos Obtentores estrangeiros, sobre a multiplicação de sementes de variedades importadas, seria, seguramente, um precioso contributo para o financiamento da execução desta Estratégia. A sua cobrança local assegura o reinvestimento necessário à manutenção do processo de Melhoramento contínuo.

 

 

A legislação comunitária sobre semente certificada está adequada às necessidades da fileira? 

 

A regulamentação sobre circulação de sementes no espaço europeu é muito forte, mas, quanto a nós, existe uma enorme lacuna na legislação da UE por falta de identificação e licenciamento dos diversos operadores.

Por isso é muito difícil fazer um diagnóstico seguro do mercado, dificultando mesmo a responsabilização para questões como, por exemplo, a recuperação de embalagens vazias e o consequente pagamento das ecotaxas, processo que iniciamos em 2018 em colaboração com o sistema Valorfito.

 

 

Por fim, o que gostaria de destacar sobre a atividade da ANSEME? 

 

A ANSEME tem uma característica quase única na Europa, congrega no seu seio 35 associados muito diversos, desde as maiores empresas mundiais de sementes até microempresas nacionais. É uma associação representativa, credível e reconhecida no sector agrícola e uma parte deste mérito deve-se ao trabalho extraordinário da nossa secretária-geral, Joana Lopes Aleixo. 

A ANSEME colabora com os seus associados em projetos de transferência de conhecimento, em sessões de formação (listas de variedades recomendas, tratamento de sementes), participação em eventos (ex: Agroglobal) e em representação em organizações nacionais e internacionais (CIB-Centro de Informação em Biotecnologia, ESA-European Seed Association, ISF-International Seed Federation). 

 

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